O primeiro-ministro submeteu esta quinta-feira à Presidência da República os nomes do novo Executivo governamental socialista. O elenco escolhido por José Sócrates conta com oito novos ministros e apresenta alterações em dez pastas - Defesa, Justiça, Economia, Agricultura, Obras Públicas, Ambiente, Trabalho, Educação, Cultura e Assuntos Parlamentares.Uma equipa de 16 governantes. Oito novos ministros. Cinco mulheres escolhidas para cargos governativos. Uma estratégia de abertura a personalidades independentes sem deixar cair o núcleo duro do primeiro-ministro nas pastas de Estado. São estes os traços essenciais do elenco que hoje chegou à secretária do Presidente da República, Cavaco Silva, quase um mês após o escrutínio para o Parlamento.
A 15 de Outubro, concluída a auscultação das forças políticas da Oposição, José Sócrates prometia apresentar "um Governo de responsabilidade do Partido Socialista" para corresponder "à vontade política manifestada democraticamente pelos portugueses nas últimas eleições legislativas". Propunha-se, também, levar até ao fim a XI Legislatura, apesar da situação de maioria relativa. Das escolhas agora conhecidas ressaltam duas preocupações: um reforço do cariz político do Executivo e o peso das prioridades governativas a recair sobre os Ministérios da Economia, Inovação e Desenvolvimento e das Finanças. É sobretudo nas pastas de Estado que Sócrates denota a preocupação em segurar o seu núcleo basilar de ministros. Tal como vinha sendo aventado, Fernando Teixeira dos Santos, o economista do Porto que rendeu Luís Campos e Cunha há quatro anos, transita do XVII para o XVIIII Governo Constitucional enquanto ministro das Finanças.
O difícil processo de reforma da Administração Pública e a correcção do défice das contas públicas para o valor mais meridional do pós-25 de Abril - 2,58 por cento do PIB em 2007 - foram algumas das marcas deixadas por Teixeira dos Santos. Até ao advento da crise económica e financeira, quando os pacotes de apoio à economia empurraram o desequilíbrio orçamental para níveis que poderão atingir os 7,5 por cento do produto interno bruto, embora o Ministério das Finanças mantenha uma estimativa de 5,9 por cento em 2009.
A dimensão da continuidade no novo Executivo tem outro rosto em Luís Amado, que permanece à frente da diplomacia portuguesa. O ministro dos Negócios Estrangeiros apresenta um currículo governativo marcado pela assinatura do Tratado de Lisboa em 2007, na vigência da presidência portuguesa do Conselho Europeu, e por uma reaproximação da "Velha Europa" aos Estados Unidos. A abertura do território português ao acolhimento de dois prisioneiros de Guantánamo dá também expressão à via de Amado.
Ana Jorge, a sucessora do polémico Correia de Campos na pasta da Saúde, Rui Pereira, na Administração Interna, Pedro Silva Pereira, na Presidência do Conselho de Ministros, e Mariano Gago, na Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, são os demais nomes que se mantêm nos mesmos cargos. Aos quais se junta o nome do porta-voz do PS, João Tiago Silveira, chamado à Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Um dos maiores destaques vai para a transferência de Augusto Santos Silva da pasta dos Assuntos Parlamentares, onde se notabilizou na ácida confrontação com os partidos da Oposição, para a Defesa Nacional. Santos Silva é talvez o ministro mais "político" do consulado de José Sócrates. Um retrato que ficaria bem vincado em Fevereiro deste ano, quando, durante um encontro partidário, afirmava gostar de "malhar na direita". Ou quando, em Janeiro de 2006, em plena campanha para as eleições presidenciais, conotou a candidatura de Cavaco Silva com uma tentativa de "golpe de Estado constitucional".
Dez anos depois da última passagem por funções governativas, o líder parlamentar cessante do Partido Socialista, que é substituído por Francisco Assis, toma em mãos a pasta da Justiça, até agora ocupada por Alberto Costa. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, Alberto Martins assumiu-se como um rosto da ala esquerda socialista enquanto titular da pasta da Reforma do Estado e da Administração Pública no Governo de António Guterres, a partir de 1999. De entre as missões a recaírem sobre os ombros de Alberto Martins destaca-se a revisão ordinária da Constituição da República. A passagem do novo ministro da Justiça pela liderança do grupo parlamentar socialista fica cunhada pelo impasse sobre a nomeação do substituto de Nascimento Rodrigues na Provedoria da Justiça, num braço-de-ferro parlamentar travado com o social-democrata Paulo Rangel.
O segundo regresso ao trabalho no Governo é protagonizado por Jorge Lacão, secretário de Estado da Presidência na última legislatura. O político moderado que liderou a bancada parlamentar do PS de 1995 a 1997 substitui agora Augusto Santos Silva na pasta dos Assuntos Parlamentares, assumindo a tutela da comunicação social. Lacão esteve ao lado da candidatura de Manuel Alegre à liderança do partido do Rato no Congresso de 2004. Nos últimos quatro anos, porém, aproximou-se do círculo de José Sócrates.
O novo ministro da Economia, Inovação e Desenvolvimento, a pasta acumulada por Teixeira dos Santos na esteira da demissão de Manuel Pinho, é José Vieira da Silva. Outro dos rostos da ala esquerda no seio dos socialistas, Vieira da Silva deixa a pasta do Trabalho e da Solidariedade Social para abraçar um Ministério com poderes reforçados face ao passado - desde logo a centralização dos fundos comunitários, que até agora pertenciam à esfera de competências do Ministério do Ambiente. Enquanto ministro com a tutela da Segurança Social, coube a Vieira da Silva desencadear uma reforma alargada naquele sector do Estado. A revisão da Lei de Bases da Segurança Social foi uma das grandes propostas que teve luz verde na anterior legislatura.
A nova Lei de Bases leva em linha de conta o aumento da esperança média de vida nas últimas décadas e acarreta medidas de penalização que têm por objectivo assegurar a sustentabilidade do sistema de pensões, designadamente a redução gradual da pensão, ou o aumento da idade da reforma. Vieira da Silva soma, no seu legado, a revisão do Código do Trabalho e o lançamento do Código Contributivo.
São seis as personalidades convocadas pela primeira vez para funções governativas. As estreias concretizam-se em algumas das pastas mais desgastadas ao longo dos quatro anos da maioria absoluta socialista. São exemplos a Educação, a Agricultura e as Obras Públicas. Ambiente, Cultura e Trabalho e Solidariedade Social são as demais pastas entregues a ministros estreantes. É na Educação que José Sócrates espera conseguir atenuar os efeitos da passagem de Maria de Lurdes Rodrigues pelo Governo de maioria absoluta. Caberá a Isabel Alçada, antiga dirigente sindical e co-autora, com Ana Maria Magalhães, da colecção literária juvenil "Uma Aventura", a complexa tarefa de apaziguar a classe docente. Fenprof e FNE trataram, horas antes de o primeiro-ministro revelar a composição do Executivo, de vincular os partidos da Oposição a um compromisso político para a suspensão do modelo de avaliação de desempenho dos professores.
A opção pela até agora comissária do Plano Nacional de Leitura para tutelar o Ministério da Educação não constitui surpresa. O seu nome era apontado como o mais provável desde Julho, altura da apresentação do programa eleitoral do PS. Isabel Alçada chegou mesmo a intervir num comício do PS em Setembro.
Quem se diz desde já "disponível" para uma "tarefa complexa" é o professor catedrático da Universidade de Évora António Serrano, que assegurava até agora a presidência do Conselho de Administração do Hospital do Espírito Santo, naquela cidade histórica do Alentejo. Serrano vai ocupar a pasta deixada vaga por Jaime Silva, um dos ministros mais contestados do Governo socialista. "Sou um servidor público, um gestor e naturalmente que estou disponível para esta tarefa complexa". Foi com esta declaração de intenções que o novo titular da pasta da Agricultura se apresentou, numa curta nota citada pela agência Lusa.
Manuel Serrano, antigo director do Gabinete de Planeamento de Política Agro-Alimentar do Ministério da Agricultura e vogal da Comissão Directiva do Programa Operacional do Alentejo, inserido no QREN, tem pela frente a gestão dos cadernos reivindicativos das confederações de agricultores portugueses. Ainda na quarta-feira, em Aveiro, mais de dois mil profissionais do sector, convocados para uma acção de protesto da CNA, exigiam ser ouvidos pelo futuro ministro da tutela, deixando uma vez mais patente o descontentamento perante a política da "propaganda dos milhões" de Bruxelas.
António Mendonça, antigo presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e doutorado em Economia, é o nome escolhido para a pasta das Obras Públicas, a braços com a provável reavaliação de grandes projectos defendida pela Oposição à direita dos socialistas. O novo ministro era até agora presidente do Centro de Estudos de Economia Europeia do ISEG, bem como coordenador científico do mestrado e do curso de pós-graduação em Estudos Europeus. António Mendonça foi também professor convidado da Faculdade de Direito, de Economia e Gestão da Universidade francesa de Orléans, da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Federal de Paraíba, no Brasil.
A nova ministra do Trabalho e da Solidariedade Social é Maria Helena André, que ocupava desde 2003 o cargo de secretária-adjunta da Confederação Europeia de Sindicatos. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a herdeira dos dossiers de Vieira da Silva já comandou o Departamento Internacional da UGT e integra o Conselho Científico do Instituto de Investigação sobre o Emprego da Napier University. Maria Helena André esteve no processo de elaboração do programa eleitoral do PS, depois de se ter evidenciado durante a presidência portuguesa da União Europeia. A nova ministra participou, então, em múltiplas conferências realizadas sob a égide do seu antecessor no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.
Para o Ministério do Ambiente, José Sócrates escolheu Dulce Pássaro, engenheira química e vogal do Instituto Regulador de Águas e Resíduos. Ouvida pela agência Lusa, a nova ministra recusou alargar-se em comentários sobre o elenco do novo Governo socialista.
Do currículo de Dulce Pássaro, natural de Oliveira do Hospital, consta o cargo de presidente do Instituto dos Resíduos, a chefia da divisão de resíduos da Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente, a direcção do Serviço de Resíduos e Reciclagem da Direcção-Geral do Ambiente e, por último, a direcção do Departamento de Planeamento e Assuntos Internacionais do Instituto dos Resíduos. Pássaro deixou também a sua assinatura na primeira lei da qualidade da água do país, no Plano Nacional de Resíduos, nos planos estratégicos para Gestão dos Resíduos Industriais e Hospitalares e em pacotes legislativos de resíduos para Macau.
Para o Ministério da Cultura, a escolha recaiu sobre a pianista Gabriela Canavilhas, que transita da Direcção Regional da Cultura dos Açores para a Ajuda. Natural de Sá da Bandeira, actual Lubango, em Angola, completou o Curso Superior de Piano do Conservatório de Lisboa e licenciou-se em Ciências Musicais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
A nova ministra, que tem gravados sete discos, incluindo primeiras gravações de peças de compositores portugueses, foi responsável pela reestruturação da Orquestra Metropolitana de Lisboa, depois da saída de Miguel Graça Moura. Apresentou ainda vários programas na Antena 2 e colabora de forma regular com diversas instituições culturais do país, entre as quais o Instituto Camões, o Centro Cultural de Belém e a Casa da Música.
Carlos Santos Neves/RTP
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